domingo, 28 de dezembro de 2008

A CIA e os golpes de Estado


Os documentos que tornam público as atuações da Agência Central de Inteligência (CIA) na América Latina se limitam a tratar de alguns casos pontuais, quando na realidade o trabalho desta instituição abrangeu estratégias terroristas muito mais amplas contra povos, governos, nações e Estados.

Criada no início da Guerra Fria para espionar e abortar as ações soviéticas, assim como controlar e reverter os governos nacional-populistas do Terceiro Mundo, a CIA completa sessenta anos de existência com uma folha de serviços prestados que incluem chantagens emocionais, seqüestros, torturas, assassinatos, intervenções militares e golpes de Estado.

Na América Latina, o primeiro grande êxito da CIA foi a derrubada do governo reformista de Jacobo Arbenz Guzmán na Guatemala, em 1954. O então presidente Arbenz, empenhado em desenvolver um capitalismo autônomo e independente para “tirar seu povo de um atraso secular”, sofreu todo tipo de pressão dos Estados Unidos. A CIA comandou abertamente a invasão armada a este país centro-americano, utilizando territórios de países vizinhos e aviões estadunidenses para espalhar o terror na população guatemalteca. Uma vez derrotada esta experiência democrática, Washington instalou uma série de ditadores militares no poder, que de 1954 a 1985 utilizaram praticamente todos os métodos fascistas, para dizimar as populações indígenas que exigiam a volta ao regime democrático. Cerca de 70 a 80 mil pessoas foram assassinadas neste período, cometendo-se um verdadeiro genocídio. Apenas entre 1966 e 1981 realizaram-se 30 mil atos de seqüestro, torturas e assassinatos, segundo a Anistia Internacional (Veja-se o livro dos estadunidenses Stephen Schlesinger e Stephen Kinzer, Fruta Amarga – A CIA na Guatemala, Editora Século XXI, México, 1982).

Contra Cuba, a CIA planejou, treinou e dirigiu a invasão de Praia Girón, em abril de 1961. Ao sofrer ali sua primeira grande derrota, ela foi totalmente reestruturada por John Kennedy para torná-la mais eficiente, desagradando a muitos de seus dirigentes. Daí sua participação no próprio assassinato do presidente estadunidense. A partir de Johnson, passando por todos os demais mandatários da Casa Branca, a CIA vem lançando mão de todas as estratégias para liquidar a Revolução Cubana, como as incontáveis tentativas de assassinato de seus líderes; a explosão de aviões e navios; o incêndio dos canaviais, bem como o desenvolvimento de bactérias para inviabilizar esta cultura; o metralhamento de cidades com o objetivo de gerar pânico; o apoio à entrada clandestina de contra-revolucionários na ilha e a tentativa fracassada de criar uma guerrilha pró-imperialista nas montanhas cubanas do Escambray; o incitamento à rebelião por meio de ondas de rádio e televisão; o estímulo à fuga em massa para tentar desmoralizar o regime socialista; e a cooptação da altos funcionários do Estado cubano para desacreditar os avanços da Revolução. Obviamente que todas estas operações têm um preço muito alto: a perda de vidas humanas.

Preocupado com o mau exemplo dado por Cuba, Kennedy criou a Aliança para o Progresso, que além dos programas de ação cívico-militar, buscava neutralizar as causas econômicas e sociais que originavam as revoluções no subcontinente. Para isso seria necessário por fim a algumas ditaduras personalistas, que além de se opor à melhorias econômicas de suas populações, criavam condições objetivas de revoltas populares. Como Rafael Trujillo detestava qualquer tipo de democracia formal, e o exemplo cubano poderia chegar à República Dominicana, a CIA participou de seu assassinato, em maio de 1961, prevalecendo a tese de que, após tantos serviços prestados a Washington, “os Estados Unidos - dizia Kissenger - não têm amigos, mas tão-somente interesses”.

Em 1964, a CIA envolveu-se ativamente no golpe de Estado contra João Goulart, no Brasil. O embaixador estadunidense Lincoln Gordon e o adido militar Vernon Walters, utilizando-se de alguns governadores, de empresários, da Igreja Católica, da imprensa e dos partidos reacionários determinaram aos militares a tarefa da tomada do poder. Uma vez dado o golpe, a Casa Branca exigiu do governo Castelo Branco o pagamento dos trabalhos prestados pela CIA, ao quais consistiam em uma abertura total da economia aos interesses dos Estados Unidos (como o fim da Lei de Remessas de Lucros), um alinhamento político ao Departamento de Estado (como o apoio político e militar à invasão da República Dominicana em 1965) e uma estratégia intervencionista do Brasil nos países latino-americanos para reverter os governos nacionalistas (como a “Operação Trinta Horas” destinada a invadir o Uruguai caso o governo daquele país não derrotasse os grupos de esquerda que faziam balançar o governo de Pacheco Areco). Daí a criação da Operação Condor para destruir e aniquilar qualquer foco de oposição que impedisse o processo de acumulação das empresas estadunidenses no cone sul; o golpe de Estado contra o presidente Torres na Bolívia, em 1971; e a ajuda da diplomacia militar paralela na queda de Allende no Chile, em 1973.

Neste último caso, a CIA tentou impedir que Allende ganhasse as eleições; logo após procurou inviabilizar sua ratificação pelo Congresso; e, finalmente, depois de fracassar em ambos os planos, lançou mão dos preparativos do mecanismo do golpe de Estado. Uma vez morto Allende, a CIA exigiu dos militares chilenos o extermínio de muitos de seus opositores numa verdadeira operação limpeza. O informe sobre o Chile, apresentado pelo Comitê Seleto de Inteligência do Senado dos Estados Unidos, em 1975, revelou todas as artimanhas e falcatruas da CIA naquele país. Inclusive o dinheiro aplicado na queda de Allende: 8 milhões de dólares.

Em 1981, morreram em um acidente aéreo dois presidentes latino-americanos: Jaime Roldós, do Equador e Omar Torrijos, do Panamá. O primeiro defendia uma política de direitos humanos e de liberdades fundamentais como “uma obrigação internacional à qual estão sujeitos os Estados”, ao passo que o segundo arrancou dos Estados Unidos a assinatura dos tratados canaleiros, dizendo que não queria “entrar para a história e sim na Zona do Canal”. Todas as evidências mostram que a CIA se encarregou de eliminar a ambos.

Na Nicarágua sandinista, a CIA desempenhou um papel importante, quer na organização e treinamento do exército dos “contras” que operava desde a vizinha Honduras, que nas minas colocadas no porto Sandino, quer nas explosões de tanques petrolíferos no porto de Corinto. Em janeiro de 1984, ela chegou a minar todos os portos nicaragüenses do Pacífico e do Atlântico. Deste modo, o governo nicaragüense foi obrigado a gastar 50% de seu orçamento na defesa do país, sendo que em 1985 chegou a 65%. Além do mais, o tão comentado Manual de Guerra Psicológica da CIA recomendava explicitamente os assassinatos de funcionários sandinistas.

A CIA, portanto, tem uma história marcada pelo uso do terrorismo de Estado na América Latina. Além dos países citados, ela atuou nos demais acarretando sempre as mesmas conseqüências: a morte, a destruição e a submissão de suas economias aos interesses de Washington. “O matrimônio do comunismo com o nacionalismo na América Latina”, afirma o Documento de Santa Fé II, “representa já o maior perigo para a região e para os interesses dos Estados Unidos”. Por isso, a CIA combateu a ambos.

A Guerra Fria acabou. No entanto a CIA continuou sua trajetória de intervenções, agora centrada nos países do Terceiro Mundo. Além dos serviços de inteligência, sua função é a de manter, por parte dos Estados Unidos, a expropriação do plus produto dos países da América Latina. O ano de 2007 é, portanto, o sexagenário das bodas de sangue da Agência Central de Inteligência. A história da CIA é uma história de morte, de terror e de apropriação do excedente econômico dos países da América Latina.

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